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Com vocês Vinicius Zambiazzi com seu texto sobre Sócrates e como seu modo de vida investigador levou à sua condenação ao auto envenenamaneto :
Sócrates (470-399 a.C), nascido na Atenas posterior às guerras médicas, é considerado um divisor de águas no mundo da filosofia. Não tendo escrito uma única palavra em vida acerca de seu modo de ver o mundo, teve sua trajetória filosófica descrita por diversos autores, dentre eles Aristófanes, em sua comédia “As Nuvens”, Xenofonte, em seus “Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates” e “Apologia de Sócrates”, Aristóteles em alguns de seus escritos e, considerada a versão mais fiel e filosófica da persona de Sócrates, seu discípulo Platão, em seus diálogos socráticos.
Visto por alguns como uma ameaça, Sócrates foi acusado de negar/profanar os deuses da pólis e de corromper a juventude com seus diálogos questionadores feitos em praça pública. No ano de 399 a.C, foi levado ao tribunal dos heliastas para defender-se das acusações, tendo como acusadores o poeta Meleto, o aristocrata Ânito e o desconhecido Licão, e como juízes um tribunal popular composto por 501 cidadãos.
Como descrito na obra de Platão intitulada “Defesa de Sócrates”, considerada a mais fiel versão disponível do julgamento em questão, Sócrates inicia sua defesa discorrendo sobre seu modo de fazer sua apologia, semelhante ao usado nas suas conversas nas praças de Atenas; sobre seus acusadores e as acusações feitas a ele, bem como das versões preconceituosas e infundadas acerca de sua pessoa, a saber, a imagem caricaturada do comediógrafo Aristófanes em “As Nuvens”.
Antevendo a possível pergunta acerca de seu modo de vida investigador, Sócrates inicia sua justificativa recorrendo à experiência vivida por seu amigo Querefonte:
Conhecestes Querefonte, decerto. Era meu amigo de infância e também amigo do partido do povo e seu companheiro naquele exílio de que voltou conosco. Sabeis o temperamento de Querefonte, quão tenaz nos seus empreendimentos. Ora, certa vez, indo a Delfos, arriscou esta consulta ao oráculo - repito, senhores; não vos amotineis - ele perguntou se havia alguém mais sábio que eu; respondeu a Pítia que não havia ninguém mais sábio. Para testemunhar isso, tendes aí o irmão dele, porque ele já morreu. (PLATÃO, 1987 p. 14)
Intrigado com a revelação do oráculo, Sócrates descreve sua investigação para entender o sentido de tal resposta, a saber, seu diálogo com um político da época tido por muitos e até mesmo por Sócrates como sábio. Após a constatação de que tal atributo ao seu interlocutor não era verdadeiro, ou seja, este não era realmente sábio, Sócrates continua:
Ao retirar-me, ia concluindo de mim para comigo: “Mais sábio do que esse homem eu sou; é bem provável que nenhum de nós saiba nada de bom, mas ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um nadinha mais sábio que ele exatamente em não supor que saiba o que não sei. (PLATÃO, 1987 p. 15)
Dando continuidade à sua investigação, Sócrates ia ter com todos aqueles que se passavam por possuidores de algum saber, entre eles políticos, poetas, artífices, etc. Encontrava, na maioria das vezes, mais sabedoria naqueles tidos como desprovidos de tal saber do que naqueles ditos sábios. Sempre considerando-se à serviço do deus (O deus Apolo, “patrono” da cidade de Delfos), Sócrates profere sua conclusão acerca da revelação do oráculo, bem como termina por justificar seu modo de vida e as condições nas quais se encontrava por conta deste e por que, mesmo não obtendo honraria alguma com isso, continuava sua “tarefa”:
O provável, senhores, é que, na realidade, o sábio seja o deus e queira dizer, no seu oráculo, que pouco valor ou nenhum tem a sabedoria humana; evidentemente se terá servido deste nome de Sócrates para me dar como exemplo, como se dissesse: “O mais sábio dentre vós, homens, é quem, como Sócrates, compreendeu que sua sabedoria é verdadeiramente desprovida do mínimo valor.” Por isso não parei essa investigação até hoje, vagueando e interrogando, de acordo com o deus, a quem, seja cidadão, seja forasteiro, eu tiver na conta de sábio, e, quando julgar que não o é, coopero com o deus, provando-lhe que não é sábio. Essa ocupação não me permitiu lazeres para qualquer atividade digna de menção nos negócios públicos nem nos particulares; vivo numa pobreza extrema, por estar ao serviço do deus. (PLATÃO, 1987 p. 16)
Através de uma breve análise do relato anterior de Sócrates, torna-se evidente a inocuidade da acusação contra este de “negar os deuses da pólis”: como poderia, ao mesmo tempo, julgar-se a serviço do deus (ou seja, pressupondo sua existência e atuação na vida do próprio Sócrates) e negá-lo?
A própria justificação dada por este sobre seu estilo de vida nos mostra que, mesmo nada recebendo por isto e ainda por cima ganhando o ódio de seus contemporâneos, continuava a serviço de uma divindade, o que justificaria também, portanto, sua atuação para com os jovens: seria mesmo uma “corrupção da juventude” instigá-la a agir de acordo com o deus, assim como o fez Sócrates?
Uma possível objeção à justificativa de Sócrates seria, levando-se em consideração os diversos motivos pelos quais busca-se o conhecimento (por ser aprazível em-si, pelo suposto poder que os detentores deste possuem, etc), um ataque à premissa da submissão ao divino: por que agir de acordo com o deus? ou, ainda, quais seriam as bases de Sócrates para admitir a existência deste e, por conseguinte, dedicar boa parte de sua vida à inquirir os cidadão atenienses através de sua dialética? seria a admissão da existência do divino um contra-senso ao seu modo de colocar em xeque todos os dogmas e pseudo-conhecimentos, ou, ainda, uma nítida separação entre o conhecimento humano e o divino? Seu modo de filosofar estaria limitado pelas crenças predominantes de seu tempo? Ou seria sua justificativa apenas uma forma poética e persuasiva de defender-se das acusações, corroborando a imagem de um Sócrates sofista?
Aparentemente, sua defesa ser baseada na obediência ao deus de Delfos mostra-nos um Sócrates preocupado com o desígnio divino, nunca objetando contra a existência deste e nem contra a sua vontade, mesmo quando informado da resposta oracular após a empreitada de Querefonte:
[...]Quando soube daquele oráculo, pus-me a refletir assim: “Que quererá dizer o deus? Que sentido oculto pôs na resposta? Eu cá não tenho consciência de ser nem muito sábio nem pouco; que quererá ele, então, significar declarando-me o mais sábio? Naturalmente, não está mentindo, por que isso lhe é impossível. (PLATÃO, 1987 p. 14)
Como poderia Sócrates estar certo da revelação oracular ser uma resposta do deus? Tal situação aproxima-se da analisada pelo filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard em sua obra “Temor e Tremor”, onde problematiza a atitude de Abraão ao entregar a vida de seu único filho em nome de sua fé ao seu deus: qual seria a garantia de Abraão em estar ouvindo realmente ao seu deus, e não à um demônio a persuadi-lo? Qual seria seu benefício caso tivesse interpretado mal o oráculo? A questão recai sobre a relação entre fé e razão, e até onde a primeira justifica ações humanas: não teria sido a empreitada de Sócrates em vão caso este pusesse em xeque sua fé no deus?
De toda forma, a justificação dada por Sócrates sobre seu ímpeto investigativo por via da crença na vontade do divino é seguida pela sua defesa contra as acusações de negação dos deuses de Atenas e de corrupção da juventude, defesa essa que termina com a escolha de Sócrates pela pena capital, apesar das acusações injustas a que fora submetido.
Referências Bibliográficas
PLATÃO. Defesa de Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Os Pensadores). Tradução: Jaime Bruna.
KIERKEGAARD, Soren. Temor e Tremor. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). Tradução: Maria José Marinho.
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