sexta-feira, 21 de agosto de 2015

A Divina Comédia de Dante Alighieri - Livro Inferno Canto VIII



   Ola bem vindos a mais um canto do poema de Dante Alighieri, a Divina Comédia, aventura épica aonde Dante é guiado por Virgílio, grande poeta da antiguidade, através dos círculos do Inferno e do Purgatório até chegar ao Paraíso. Esta é uma série publicada semanalmente, um canto comentado por semana ( no total de 100 cantos divididos por três livros).
 Dante já passou pelo Limbo (Canto IV), pelos círculos da Luxúria (Canto V), da Gula ( Canto VI), e pelos círculos da Avareza e da Ira ( Canto VII).
 Agora, chegam a cidade de Dite, após atravessar o rio Estige na barca de Flégias.

LEIA OS CANTOS ANTERIORES:


Leia o Canto VIII, lembrando que os trechos em itálico e vermelho são meus comentários:




Canto VIII

Flégias - Demônios - A cidade de Dite


Eu devo explicar que, bem antes de chegarmos ao pé daquela torre, já observávamos as duas chamas que havia no seu cume. Na escuridão do rio, outra luz tão distante que quase não se via, respondia com um sinal. Voltei-me ao mar de toda sabedoria, e perguntei:
- Que sinais são estes? E aquela outra chama, o que ela responde? Quem é que as provoca?
- Sobre esta lama imunda em breve poderás perceber o que se espera - respondeu Virgílio.
Mal ele terminara de falar, da escuridão surgiu um barquinho pilotado por um barqueiro solitário, cortando a água em nossa direção.
- Chegaste, alma culposa! - gritou ele ao ancorar.
- Flégias, Flégias, desta vez tu gritas em vão - respondeu o meu senhor -, pois só vais nos levar à outra margem e nada mais. Contendo a sua ira, o barqueiro concordou. Meu guia calmamente embarcou e depois eu entrei, e só então o barco pareceu carregado.

Flégias (o barqueiro) realiza a travessia do Rio Estige levando Dante e Virgílio. No fundo se vê a cidade de Dite e o fogo eterno. Dentro do rio estão os condenados pelo pecado da ira.

 Flégias (Phlegyas) era o rei dos Lapitas. Teve sua filha Coronis violada pelo deus Apolo e, por isso, incendiou o templo de Apolo em Delfos como vingança. Por não conter a sua ira, foi condenado, no inferno clássico, a permanecer logo abaixo de uma pedra enorme, pendente, sempre prestes a cair sobre ele.


No meio do caminho, um ser lamacento surgiu das águas e me chamou, perguntando:
- Quem és tu que vens antes do tempo?
- Venho - respondi -, mas não demoro, mas quem és tu tão revoltoso?
- Eu sou um dos que chora, como podes ver.
- Com choro e com luto, espírito maldito, que assim permaneças, pois eu te conheço, mesmo tão sujo!
Depois que eu lhe respondi, ele irritou-se e saltou sobre o barco, tentando me agarrar. Virgílio, porém, foi mais rápido e conseguiu lançá-lo de volta ao rio.
- No mundo este homem foi pessoa orgulhosa - disse o mestre - e nada de bom resta em sua memória. Por isto é que sua alma está aqui tão furiosa. Quantos lá em cima se julgam grandes reis e aqui estarão como porcos na lama?
- Mestre - falei -, muito me agradaria também vê-lo aqui afundado na lama antes que saíssemos deste lago.
- Antes que apareça a outra costa - respondeu o mestre - teu desejo será satisfeito.
Pouco depois, ouvi seus companheiros o massacrarem. Eles gritavam: "Vamos pegar Filippo Argenti!". Deleitei-me ao ver aquele florentino arrogante morder a si mesmo com os dentes de raiva.
E lá o deixei, e disso não falo mais. Comecei, então, a ouvir vozes dolorosas, que me impeliram a olhar adiante.

Filippo Argenti é conhecido apenas das obras de Dante e do Decamerão, de Boccaccio. Teria sido um guelfo muito rico, forte e orgulhoso, mas de pavio curto. A menor provocação era respondida de forma explosiva e irada. Provavelmente era um guelfo da facção dos Neri e que teve algum desentendimento sério com Dante.

- E agora meu filho - chamou-me o mestre - nos aproximamos da cidade que se chama Dite, com seus tristes cidadãos e grande companhia.
- Mestre, - observei - já posso ver as suas mesquitas logo acima do vale infernal! Elas brilham, vermelhas como ferro em brasa.
- É o fogo eterno que arde no seu interior que faz esse brilho rubro se espalhar pelo baixo inferno. - completou Virgílio.
Entramos no fosso que cerca a cidade e Flégias deu uma grande volta em torno dela, onde pude observar seus muros que pareciam ser de ferro. Quando chegamos diante da entrada da cidade, Flégias gritou alto com toda a força:


Aqui podemos ver um esquema mostrando todo caminho percorrido por Dante até agora, no centro a cidade de Dite, é a cidade dolente, habitada pelos hereges que duvidavam da sua existência. Serve de divisão entre os pecados cometidos sem intenção (culpa) e os pecados cometidos conscientemente (dolo)


- Saiam! Saiam logo! É aqui a entrada.
Descendo do barco, fomos recepcionados por um grupo de demônios. Eles chegaram e perguntaram:
- Quem é esse que, sem morte, anda pelo reino da morta gente?
O sábio mestre veio em meu auxílio. Dirigindo-se aos demônios, fez sinais indicando que gostaria de falar com eles secretamente. Responderam os diabos, disfarçando sua arrogância:
- Tudo bem, mas vem tu sozinho. E esse outro aí, que achava que podia andar como rei nesta terra, que prove que pode voltar sozinho se souber, pois tu que o guiaste até aqui vais ficar conosco!
Apavorei-me diante dessas palavras e temi não mais poder voltar a ver o mundo outra vez.
- Caro meu guia - chorei, em desespero -, que tantas vezes me deste segurança, não me deixes, por favor! Se não pudermos prosseguir nesta jornada, que voltemos já sem demora!
Mas ele, confiante, me respondeu:
- Não temas, porque o nosso passo, ninguém pode impedir. Mas espera aqui e descansa. Não deixes de ter esperança, pois podes ter certeza que não te deixarei sozinho neste mundo baixo.
Ele falou e foi encontrar-se com os diabos, e eu fiquei só a observar de longe. Não ouvi a conversa. Só vi a briga de longe e a porta da cidade se fechar diante de Virgílio, que voltou para mim cabisbaixo, em um passo lento.
- Olha só quem me nega a cidade da dor! - disse, triste - Mas não temas, pois ainda vencerei esta prova. A esta hora já deve estar no portal deste inferno alguém por quem esta entrada será aberta.

Creio de todos os cantos até agora lidos, este foi o mais instigante, o canto VIII chegou ao fim e deixou muitas perguntas ao ar, qual foi o conteúdo da conversa de Virgílios com os demônios? Com certeza não foi muito amistosa, o que há dentro dos portões de Dite? De certo muito sofridão. E o que há depois de Dite? Isso iremos descobrir no canto IX. Até lá. 

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