Dom casmurro: Traição ou Insegurança?

Um dos maiores clássicos da literatura brasileira e uma das melhores obras de Machado de Assis, Dom casmurro nos delicia com uma história fascinante, que de maneira astuta e proposital deixa mais perguntas do que respostas. 

Afinal Capitu traiu Bentinho? 

Na verdade, nunca saberemos esta resposta, afinal esta é uma característica da literatura machadiana, o autor elaborou o livro de uma forma que cada pessoa que o lesse criasse sua própria teoria, aposto que nem ele saberia dizer, até mesmo porquê se traiu ou não pouco importa, foi sua intenção deixar o leitor na dúvida. 

Caso você não tenha lido, vale muito a leitura, trata-se de um livro difícil de ler para quem não está acostumado com a leitura de clássicos, mas nada que uma leitura atenciosa não dê conta. 

O livro conta a história de vida de Bento Alburquerque Santiago, em primeira pessoa, desde relatos de sua infância, passando pelo seminário e pelo relacionamento romântico com Capitu, sua amiga de infância.



Esta obra faz uma análise crítica da sociedade da época, fazendo um retrato moral e do caráter das personagens, principalmente da principal, Bentinho, mas é importante dizer que o livro é escrito segundo o ponto de vista de seu narrador, o próprio Bento, o que é bem relevante.

Se você não leu, ou não lembra-se de todos os detalhes, aqui vai um resumo. ALERTA DE SPOILER.

O romance de Capitu e Bentinho começa na infância, eram bons amigos, e a amizade virou namoro. O jovem casal foi separado quando Bentinho foi para o seminário, por promessa de sua mãe, onde conheceu Ezequiel, filho de um grande advogado, que tornaria-se um grande amigo de Bento.

Tanto Bentinho como Ezequiel largam o seminário, o primeiro tornou-se advogado, o segundo comerciante. A narrativa dá um grande salto até a vida adulta das personagens, Bentinho e Capitu se casaram e tiveram um filho, deram o nome de Ezequiel para o menino, pois era o nome de seu grande amigo.

Por sua vez Ezequiel casou-se com Sancha e tiveram uma menina, chamada Capitolina, em homenagem à Capitu.

A história começa a tomar um rumo interessante com a morte do grande amigo de Bento, que apesar de ser um exímio nadador, morre afogado de forma suspeita. 

Em resumo, o ciúme  e desconfiança que Bentinho sentia de Capitu, supondo uma traição de sua amada com seu amigo - uma dupla traição, acaba por destruir a paixão juvenil do casal, e transformando ambas personagens.

- Análise crítica da obra.

Ciúme doentio e Cinismo

Sequer é possível falar que Bentinho teria motivos relevantes para desconfiar que estava sendo traído, porque todo o enredo demonstra diversas falhas na construção do caráter da personagem principal, mimado e submisso à mãe, afinal foi ao seminário contra a sua vontade.

E até mesmo porque o livro apenas traz os fatos através da visão distorcida de Bentinho, que, para alguns críticos clássicos a personagem sofria de epilepsia, não sabendo diferenciar o falso do verdadeiro. Bento, nessa crítica, é visto como o típico homem do século XIX, com altos níveis de ciúme doentio que impedem qualquer tentativa de diálogo e bom senso.

Portanto, é um erro confiar puramente e fielmente nas palavras no narrador, seria muito simples para Machado de Assis, tem até em suas palavras cinismo involuntário, porque para Bento uma prova cabal da traição de Capitu não mudaria nada.

Em sua cabeça doentia a traição já estava consumada, o que conclui-se que o ruiu a relação conjugal não foi a suposta traição, mas o modo de interpretação da personagem principal sobre os fatos. 

Machismo e Movimentos Feministas

Não é a toa que o Dom Casmurro teve grande interesse de movimentos feministas, pois existe uma grande coisificação da mulher, por parte de Bento. 

Claro que não de forma muito clara, parte das dores da traição originam-se porque ele sentia-se incapaz de controlar Capitu, que desde sempre demonstrou ser independente e desafiadora dos costumes tradicionais da sociedade, tendo ainda origens humildes, em oposição ao seu marido. 

Ocorre portanto o choque entre masculino x feminino e rico x pobre. 


A referência suave ao machismo na obra não é apenas uma crítica tão somente contra a personagem de Bento, mas uma leitura de toda a sociedade já que o machismo era comum e aceitável no século XIX, para ele é importante convencer o leitor da traição para que este não opine que o narrador é culpado pela infelicidade do casal.

Um leitor atento percebe um certo grau de hipocrisia, porque apesar de considerar traição como inaceitável, troca olhares sensuais com Sancha, mulher de Ezequiel.

O ciúme leva a fim trágico, Bento termina sua vida solitário, um velho amagoado. 

Para terminar, Dom Casmurro é uma obra que vai além de uma mera história romântica, Machado escreveu sobre a nuances da psique humana, das relações pessoais, e dos movimentos sociais, criticando o conservadorismo do século XIX.

E uma curiosidade, para alguns críticos, Bento nutria um afeto homoafetivo pelo amigo Ezequiel, não concordo, demonstrações de afeto e apresso entre personagens masculinas são comuns na literatura clássica, mas daí é outra discussão.  

Há um Dom Casmurro diferente para cada leitor, um Dom Casmurro diferente a cada leitura.  

E você o que acha de Dom Casmurro? Capitu traiu ou não Bentinho? O que acha da conduta de Bentinho? 

Indicação de leitura: 

Sexo: o Pecado do Século? 
Vícios: adicione a lixeira