sexta-feira, 10 de julho de 2015

A Divina Comédia de Dante Alighieri - Livro Inferno Canto III

 Ola, caros leitores peço desculpa pela demora para postar mais um texto, estava no período de provas da faculdade, quem é acadêmico, ou já foi, sabe como é complicado. Mas, vamos ao que interessa.


 Hoje continuo a série da Divina Comédia, que comento sobre o poema de Dante Alighieri. O personagem Dante começa perdido em uma floresta escura e perigosa e ao encontrar a saída para a salvação se depara com três feras, um leão, uma loba e um tigre, todas com significados simbólicos que expliquei no canto I, publicado aqui.
 Virgílio, um poeta antigo que Dante tinha como ídolo vem em seu auxílio enviado por Beatriz, sua paixão da infância. O poeta propõe uma rota alternativa através do inferno e purgatório, assim, o personagem passa, com o auxílio de outros personagens da cultura clássica como santos e escritores, uma jornada espiritual. 
  O canto II, leia aqui, explica como Beatriz desceu do céu para buscar Virgílio no Limbo e convence-lo a ajudar Dante. 

Segue o Canto III, lembrando que os trechos em negritos e vermelho são as minhas anotações com comentários: 

A porta do Inferno - Vestíbulo

Rio Aqueronte - Caronte


POR MIM SE VAI À CIDADE DOLENTE, 
POR MIM SE VAI À ETERNA DOR ,
POR MIM SE VAI À PERDIDA GENTE.

JUSTIÇA MOVEU O MEU ALTO CRIADOR, 
QUE ME FEZ COM O DIVINO PODER,
O SABER SUPREMO E O PRIMEIRO AMOR.

ANTES DE MIM COISA ALGUMA FOI CRIADA 
EXCETO COISAS ETERNAS, E ETERNA EU DURO. 
DEIXAI TODA ESPERANÇA, VÓS QUE ENTRAIS!

Estas palavras estavam escritas em tom escuro, no alto de um portal. Eu, assustado, confidenciei ao meu guia:

- Mestre, estas palavras são muito duras.




- Não tenhas medo - respondeu Virgílio, experiente - mas não sejas fraco! Aqui chegamos ao lugar, do qual antes te falei, onde encontraríamos as almas sofredoras que já perderam seu livre poder de arbítrio. Não temas, pois tu não és uma delas, tu ainda vives.

Em seguida, Virgílio segurou minha mão, sorriu para me dar confiança, e me guiou na direção daquele sinistro portal.

Logo que entrei ouvi gritos terríveis, suspiros e prantos que ecoavam pela escuridão sem estrelas. Os lamentos eram tão intensos que não me contive e chorei. Gritos de mágoa, brigas, queixas iradas em diversas línguas formavam um tumulto que tinha o som de uma ventania. Eu, com a cabeça já tomada de horror, perguntei:

- Mestre, quem são essas pessoas que sofrem tanto?

- Este é o destino daquelas almas que não procuraram fazer o bem divino, mas também não buscaram fazer o mal. - me respondeu o mestre. - Se misturam com aquele coro de anjos que não foram nem fiéis nem infiéis ao seu Deus. Tanto o céu quanto o inferno os rejeita.

- Mestre - continuei -, a que pena tão terrível estão esses coitados submetidos para que lamentem tanto?

- Te direi em poucas palavras. Estes espíritos não têm esperança de morte nem de salvação. O mundo não se lembrará deles, a misericórdia e a justiça os ignoram. Deixe-os. Só olha, e passa.

E então olhei e vi que as almas formavam uma grande multidão, correndo atrás de uma bandeira que nunca parava. Estavam todas nuas, expostas a picadas de enxames de vespas que as feriam em todo o corpo. O sangue escorria, junto com as lágrimas até os pés, onde vermes doentes ainda os roíam.

Quando olhei além dessa turba, vi uma outra grande multidão que esperava às margens de um grande rio.

- Quem são aqueles? - perguntei ao mestre.

- Tu saberás no seu devido tempo, quando tivermos chegado à orla triste do Aqueronte. - respondeu, secamente.

Aqueronte é o primeiro dos rios que cruzam o Inferno, não é invenção de Dante Alighieri, é citado na Eneida de Virgílio e na Odisséia de Homero 

Temendo ter feito perguntas demais, fiquei calado até chegarmos às margens daquele rio de águas pantanosas e cinzentas.

Chegava um barco dirigido por um velho pálido, branco e de pêlos antigos. Ele gritava:

- Almas ruins, vim vos buscar para o castigo eterno! Abandonai toda a esperança de ver o céu outra vez, pois vou levar-vos às trevas eternas, ao fogo e ao gelo!

Quando ele me viu, gritou:

- E tu, alma vivente, te afasta desse meio pois aqui só vem morto! - Vendo que eu não me mexia, mais calmo, falou - Tu deves seguir para outro porto, onde um outro barco, maior, te dará transporte.

- Caronte, te irritas em vão! - intercedeu o mestre - Lá, onde se pode o que se quer, isto se quer, e não peças mais nada!

Caronte é o barqueiro responsável por transportar os mortos pelas águas dos rios Estige e Aqueronte até Hades na mitologia grega. Recebeu esta tarefa depois de tentar roubar a Caixa de Pandora. Para realizar a travessia era necessário pagar uma moeda, aqueles que não podiam pagar tinham que vagar por cem anos. Daí nasceu a tradição de enterrar o falecido com uma moeda em sua boca ou vestes

Nenhum vivo podia atravessar, a não ser que portasse um ramo de acácia, árvore consagrada por Perséfone, deusa das ervas, flores, frutos e perfumes, filha de Zeus e Deméter. Foi sequestrada pelo seu tio Hades, o Deus do Submundo, passou a morar metade do ano no Olímpio nas estações primavera e verão e outra no mundo dos mortos nas estações de outono e inverno. É assim, que os gregos antigos explicavam as estações dos anos. Na época do inverno o mundo perdia a graça e o calor porque Perséfone estava no Submundo, e quando retornava trazia consigo toda alegria e beleza ao mundo. 


Caronte então se calou, mas pude ver que seus olhos vermelhos ainda ardiam de raiva. As almas, chorando amargamente, se amontoavam na orla e Caronte as embarcava, uma a uma, batendo nelas com o remo quando alguma hesitava. Depois seguiam, quebrando as ondas sujas rio Aqueronte, e antes de chegarem à outra margem, uma nova multidão já se formava deste lado.

Enquanto Virgílio me falava sobre as almas que atravessavam o rio, houve um grande terremoto, seguido por uma ventania que inundou o céu com um clarão avermelhado. O susto foi tão intenso que eu desmaiei e caí num sono profundo.

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